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Disrupção sem cliente é só ego caro

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Por Targeting
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Nos últimos meses, tenho confrontado dois mundos: o das frameworks académicas, que estudo na Harvard Business School, e o da realidade empresarial angolana, onde opero diariamente. Um dos conceitos mais recorrentes nas discussões sobre estratégia é a inovação disruptiva. Mas a forma como ela é aplicada — ou ignorada — nas nossas organizações exige reflexão crítica.

Em Angola, há uma tendência crescente para associar inovação a tecnologia, estética ou eventos internos. Fala-se de transformação digital, lançam-se plataformas, organizam-se hackathons. Mas a pergunta essencial raramente é feita: a quem estamos realmente a servir?

O que é, de facto, disrupção?

Segundo Clayton Christensen, professor da Harvard Business School, disrupção ocorre quando se consegue atender um público que o mercado tradicional negligencia,  seja por falta de acesso, recursos ou atenção. E isso acontece, geralmente, de duas formas:

  • Low-End Disruption: inovação para quem já está no mercado, mas está mal servido. Aqui, o foco está em soluções simples, acessíveis e eficazes, que atendem com menos complexidade.
  • New Market Disruption: inovação para quem está fora do mercado por falta de literacia, acesso ou confiança nas instituições formais. É uma disrupção que começa pela inclusão.

Estes não são apenas conceitos teóricos. São direcções estratégicas que podem determinar a sobrevivência ou o crescimento de empresas num mercado como o nosso.

A cegueira dos incumbentes

A Low-End Disruption é frequentemente invisível aos grandes players. As soluções surgem à margem, parecem amadoras — até começarem a conquistar clientes, fatia a fatia.
Em Angola, isso é visível no sector da mobilidade, onde mototaxistas organizados via WhatsApp resolveram, de forma informal, um problema que as estruturas formais ignoravam. A app Anda tentou institucionalizar essa resposta. Não com tecnologia de ponta, mas com adaptação à realidade.

Da mesma forma, negócios como o Rabugento, que vendem gelados acessíveis e consistentes, mostram que a sofisticação estratégica pode estar na simplicidade. Em vez de variedade excessiva ou posicionamento premium, resolveram um Job claro: refrescar o dia com pouco dinheiro, todos os dias.

A ausência de disrupção real

Apesar da retórica, poucas empresas em Angola estão verdadeiramente a inovar. O que vemos é, muitas vezes, o uso de terminologia sofisticada para descrever versões digitais de soluções que já não funcionam no analógico. Plataformas que não têm aderência. Produtos pensados para clientes premium, uma minoria com base em benchmarking internacional. Não há escuta. Não há humildade estratégica. Não há disrupção.

O que podemos (e devemos) aprender

Aplicar os frameworks da inovação disruptiva no nosso contexto exige coragem para fazer menos com mais impacto. E três lições estratégicas emergem:

  1. 1. O futuro não chega primeiro pelas elites
    As grandes mudanças começam nos segmentos esquecidos, e nas soluções que parecem pequenas, mas transformam o dia-a-dia.
  2. 2. O crescimento está fora do PowerPoint
    A maioria da população está fora do sistema formal. O verdadeiro mercado está lá, à espera de quem tenha visão e respeito.
  3. 3. A escuta é a nova vantagem competitiva
    Inovar com impacto começa por ouvir. Não apenas fazer pesquisas. Mas estar onde o cliente está, e resolver com dignidade aquilo que pesa.

Zungueiras como símbolo de inovação real

Num país que ainda trata o sector informal como problema, é fundamental reconhecer que muitas das práticas mais inovadoras vêm do terreno. As zungueiras, por exemplo, criaram soluções de crédito informal, logística e conveniência adaptadas ao bairro, ao bolso e ao ritmo do cliente. São, na prática, estrategas operacionais — que não têm pitch deck, mas entregam valor real todos os dias.

Conclusão

Angola não precisa de mais laboratórios de inovação. Precisa de produtos que resolvam. Estratégias que incluam. Empresas que escutem.

A disrupção começa com humildade e com a coragem de desenhar para o essencial.

Este artigo faz parte da série “Harvard na Banda”, onde confronto os conceitos estratégicos aprendidos na Harvard Business School com os desafios do mercado angolano. Publicado originalmente no LinkedIn.

Josemar Afonso

Manager de Estratégia e
Operações

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