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Ir ao trabalho ou ir trabalhar?

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Por Targeting
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Numa manhã de segunda-feira, muitos de nós já se deparou com o famoso meme: “Será que vão me precisar?”, fazendo referência que, muitas das vezes, vamos ao “salo” só por ir. Quando “Já não é de coração”, diga-se de passagem.

Ir trabalhar ou ir ao trabalho, um problema nas empresas em Angola que depende da honestidade de um e da flexibilidade de outro. Há uma certa “diferença” que se regista entre as duas frases, confundindo a simples presença com a materialização de resultados nas organizações. A reflexão que trago mais uma vez passa por perceber como mensurar uma e outra coisa de forma aberta e transparente até quando um trabalhador está simplesmente no trabalho e quando é que efectivamente está a trabalhar.

Tal como as próprias frases sugerem, “ir ao trabalho” reflecte uma deslocação a um espaço físico, enquanto que “ir trabalhar” remete-nos automaticamente a execução de tarefa, sem que estejamos necessariamente dentro de um espaço físico.

A distinção entre ir trabalhar e ir ao trabalho é, de facto, um tema crucial, especialmente nas empresas do sector privado em Angola. Não vou falar do sector público porque já sabemos todos (risos)… Essa diferenciação não é apenas linguística, mas sim uma questão de cultura organizacional e produtividade. A reflexão é ainda mais pertinente quando consideramos a Lei Geral do Trabalho n.º 12/23, de 27 de Dezembro adiante “LGT”, que regula as relações laborais no país e estabelece direitos e deveres tanto para os empregadores como para os trabalhadores.

Ir ao trabalho vs. Ir trabalhar: a diferença essencial

Ir ao trabalho refere-se à simples presença física no local de trabalho, enquanto trabalhar envolve a aplicação efectiva de esforços, competências e tempo na realização das funções para as quais o colaborador foi contratado. A confusão entre estes conceitos muitas vezes resulta em organizações que medem o desempenho apenas pela assiduidade, sem considerar os resultados.

Na prática, um trabalhador pode estar presente durante o horário laboral sem realmente produzir, e isso pode decorrer de factores como: falta de clareza nas funções, falta de supervisão eficaz, desmotivação ou ambiente de trabalho desfavorável e até ausência de ferramentas de avaliação de desempenho.

O que a LGT prevê?

A legislação laboral em Angola estabelece algumas directrizes fundamentais que podem ajudar a clarificar esta questão:

Dever de assiduidade e pontualidade (alínea d) do Artigo 84.º): constitui uma obrigação do trabalhador comparecer ao local de trabalho nos horários estipulados. Contudo, a lei também implica que a presença deve ser acompanhada pelo cumprimento das tarefas.

Dever de diligência (alínea a) do Artigo 84.º): o trabalhador deve realizar as suas tarefas com zelo, competência e dedicação, o que claramente vai além da mera presença física.

Direito a avaliação de desempenho: embora não explicitamente detalhado na lei, cabe às empresas estabelecerem critérios claros e justos para medir o desempenho, promovendo uma avaliação que considere resultados em vez de apenas presença.

Sanções disciplinares (Artigo 87.º): A lei permite que empregadores apliquem sanções a trabalhadores que não cumpram com as suas obrigações, incluindo a ausência de produtividade, desde que respeitados os princípios da proporcionalidade e da defesa.

Formas de como mensurar a diferença?

Cada trabalhador deve ter metas e indicadores de desempenho objectivos, que sejam mensuráveis e comunicados de forma clara.

É importante dialogar com os trabalhadores sobre as expectativas da empresa, garantindo que compreendam que a produtividade é mais valorizada do que a simples presença.

Usar métodos como indicadores de desempenho (KPIs) ou relatórios periódicos pode ajudar a medir o contributo real de cada trabalhador.

Nem sempre a falta de produtividade é culpa do trabalhador. Investir em formação e criar um ambiente de trabalho motivador pode ajudar a resolver o problema.

Até quando estamos a ir ao trabalho e não a trabalhar? A resposta passa por olhar para os resultados. Se as metas estabelecidas para o trabalhador não são alcançadas, mesmo que ele esteja presente fisicamente, é um indicativo de que apenas foi ao trabalho. Por outro lado, quando os resultados são atingidos ou superados, podemos afirmar que o trabalhador realmente foi trabalhar.

Seria o regime de teletrabalho a solução desta problemática nos termos da LGT?

O teletrabalho é definido como uma forma de prestação de serviços realizada fora das instalações da empresa, usando tecnologias de informação e comunicação. Deve ser acordado entre o empregador e o trabalhador, preferencialmente por escrito, para estabelecer as condições e especificidades.

A lei reconhece o regime de teletrabalho como uma modalidade laboral, com direitos e deveres específicos para empregadores e trabalhadores. Alguns aspectos importantes incluem:

Direitos dos trabalhadores: garantia de condições de trabalho equivalentes às oferecidas aos trabalhadores presenciais (salário, tempo de descanso, entre outros). Direito a ser informado sobre as ferramentas de trabalho e a supervisão das suas actividades.

Deveres do empregador: proporcionar os meios necessários para o desempenho das funções, como equipamentos e acesso remoto a sistemas.

Garantir o cumprimento das normas de saúde e segurança no trabalho, mesmo fora das instalações.

Supervisão e controlo: o empregador pode adoptar mecanismos para supervisionar o desempenho e a produtividade do trabalhador, desde que respeite a privacidade e a legislação aplicável.

  1. Teletrabalho como solução

O teletrabalho pode minimizar a problemática de “ir ao trabalho” sem necessariamente “ir trabalhar”, pois desloca o foco da presença física para os resultados entregues. No entanto, para que seja uma solução eficaz, é necessário:

Foco em resultados: no teletrabalho, o desempenho deve ser avaliado com base em objectivos claros, metas mensuráveis e prazos definidos.

O uso de indicadores de desempenho (KPIs) pode facilitar o acompanhamento da produtividade.

Flexibilidade e autonomia: o teletrabalho dá ao trabalhador mais controlo sobre o seu tempo, o que pode aumentar a motivação e, consequentemente, a produtividade.

Redução de custos e tempo: a ausência de deslocações pode economizar tempo e dinheiro para o trabalhador e reduzir os custos operacionais da empresa.

Promoção de um ambiente de confiança: no teletrabalho, a relação entre empregador e trabalhador deve ser baseada na confiança e na transparência.

  1. Limitações e desafios

Apesar dos benefícios, o teletrabalho apresenta algumas limitações que podem dificultar a sua implementação como solução única:

Dificuldade de supervisão: alguns empregadores têm dificuldade em adaptar-se à supervisão remota, preferindo o controlo directo que a presença física permite.

Falta de infraestrutura: em Angola, o acesso a uma internet de qualidade e equipamentos adequados pode ser um obstáculo para a implementação do teletrabalho.

Impacto no trabalho em equipa: a ausência de interacção presencial pode prejudicar a colaboração, a partilha de ideias e o espírito de equipa.

Riscos de desmotivação e isolamento: alguns trabalhadores podem sentir-se isolados, o que pode levar a desmotivação e a redução da produtividade.

Em suma, as empresas devem promover uma cultura de resultados, onde a presença seja importante, mas o foco principal esteja no cumprimento dos objetivos. Por outro lado, os trabalhadores devem estar conscientes de que a assiduidade é apenas um dos elementos do contrato laboral, sendo o desempenho igualmente essencial. A LGT fornece uma base legal que, aliada a boas práticas de gestão, pode ajudar a resolver esta “confusão” e a melhorar o desempenho no sector privado em Angola.

O teletrabalho pode ser uma solução parcial, mas não deve ser encarado como uma medida universal. É crucial que a sua implementação seja cuidadosa, acompanhada de boas práticas de gestão, alinhamento de expectativas e o uso de tecnologia para monitorizar e incentivar a produtividade. Além disso, as empresas precisam de investir na capacitação tanto dos gestores quanto dos trabalhadores, garantindo que todos estejam preparados para operar eficazmente neste regime.

Nos termos da LGT, o teletrabalho pode ser uma oportunidade e uma solução viável para a problemática de diferenciar entre “ir ao trabalho” e “ir trabalhar”, para alinhar a presença e os resultados nas empresas angolanas, porém deve ser adaptado às realidades económicas, culturais e tecnológicas do país. Este regime oferece flexibilidade e autonomia, mas também traz desafios para a medição de produtividade e a gestão de equipas.

Luís Joaquim

Especialista em Gestão e
Desenvolvimento Humano

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4 Comentários
  • Muito produtivo…

    Gosto deste artigo, realmente foi bem pensado e considero muito interessante.

    Meus parabéns e espero que continues partilhando o seu conhecimento para moldar e mudar repentinamente o comportamento dos funcionários nas organizações, quer sejam públicas, privadas ou público-privadas.

    Tenho dito!!!

  • Agradeço ao Luís Joaquim pela importante contribuição sobre a diferença entre “ir ao trabalho” e “ir trabalhar”, um tema essencial para a compreensão da dinâmica laboral nas empresas. Essa reflexão toca diretamente na saúde mental do trabalhador, pois, quando se confunde presença física com produtividade, surgem fatores como desmotivação, estresse e até burnout. Um ambiente de trabalho que privilegia a mera assiduidade em vez de resultados concretos pode gerar frustração, sensação de inutilidade e queda na autoestima. A proposta de focar na produtividade e usar o teletrabalho como alternativa pode ser uma estratégia importante para promover maior equilíbrio, confiança e motivação, aspectos fundamentais para a saúde mental dos trabalhadores.

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