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RH: O Mensageiro da Morte

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Por Targeting
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Num grupo de amigos existem pessoas com características distintas, do mais extrovertido ao menos extrovertido. Desta vez, trago-vos a estória do amigo azarado, aquele amigo que em muitas situações tem de se sacrificar pelo grupo. Este é um caso que acontece no seio em que muitos de nós nos encontramos, aquela roda de amigos no bar em que na hora de pagar a conta, há sempre alguém que diz: fulano, pagas ali e depois te transferimos… Aí começa o problema.

Este amigo é o profissional de Recursos Humanos, um amigo calmo, que tem como obrigação dar-se bem com todo mundo, que deve ter solução para tudo e todos. Uma mistura de inspector Gadget (para os mais crecidos) com o Manny Mãozinhas (para os mais novos). Um super-herói como nos filmes e desenhos animados. Que dentro do seu leque interminável de superpoderes está a enorme capacidade de “pagar”, muitas das vezes, por várias situações que podiam ser evitáveis quer no processo de contratação quanto na gestão diária das chefias com os seus colaboradores.

Já apresentado o nosso super amigo, vamos ao que interessa: com a entrada em vigor da nova Lei Geral do Trabalho (LGT) em Março de 2024, Angola deu um passo significativo rumo à modernização das relações laborais. Um dos principais marcos dessa legislação é a consagração dos contratos por tempo indeterminado como regra, relegando os contratos a termo certo para situações excepcionais e legalmente justificadas, conforme os artigos 15.º e 16.º da LGT. Esta mudança tem gerado inquietações tanto entre empregadores quanto entre trabalhadores, exigindo um olhar atento sobre as implicações e uma actuação estratégica por parte das empresas.

Com base no artigo 222.º da nova LGT, todos os contratos que tenham sido celebrados à luz da Lei 15/07, e que tenham sido renovados após a entrada em vigor da nova Lei, passam a ser interpretados como contratos por tempo indeterminado. Isto derruba o entendimento anterior de que bastaria “não renovar” o contrato para cessar o vínculo laboral, tornando agora mais rigorosa a desvinculação por iniciativa do empregador, e mais protegida a posição do trabalhador.

O novo cenário legal tem levado muitas empresas a recorrer a formas alternativas de cessação da relação laboral, como despedimentos por justa causa (disciplinares) ou despedimentos por causas objectivas (económicas, tecnológicas ou estruturais), tanto individuais como colectivos. No entanto, estes processos exigem rigor, fundamentação, e respeito absoluto pelas garantias legais do trabalhador.

O Duro Papel dos Recursos Humanos – Os “Mensageiros da Morte”

Neste contexto, os profissionais de RH enfrentam uma das tarefas mais difíceis dentro da organização: comunicar a desvinculação de funcionários. Embora essa responsabilidade seja técnica e legal, o impacto emocional recai directamente sobre estes profissionais, que muitas vezes são vistos como “mensageiros da morte” por quem recebe a notícia da cessação do contrato.

A verdade é que alguém deve dar a cara pela empresa e este não é nada mais e nada menos que o profissional de RH.

Nesta fase, não se trata apenas de cumprir uma formalidade ou executar uma orientação estratégica. O profissional de RH precisa de:

Preparar o terreno jurídico e administrativo da desvinculação;

Agir com empatia, escuta activa e sensibilidade emocional;

Gerir tensões e frustrações tanto do trabalhador como dos líderes;

Representar a empresa sem desumanizar o processo.

Essa realidade exige que o RH seja mais do que executor: deve ser mediador, psicólogo, jurista e comunicador ao mesmo tempo. É, portanto, urgente que as empresas capacitem e apoiem os seus profissionais de RH, para que estes não fiquem sobrecarregados ou emocionalmente fragilizados por essa função tão sensível.

Políticas de gestão de pessoas estruturadas

Para evitar impactos negativos e fortalecer a confiança mútua entre empresa e colaboradores, é imperativo que as organizações adoptem políticas internas bem estruturadas, que contemplem:

a) Mapear e reclassificar contratos existentes

Realizar um levantamento rigoroso de todos os contratos em vigor.

Identificar quais contratos passaram a ser indeterminados automaticamente.

Reajustar os termos contratuais em conformidade com a nova Lei.

b) Sensibilização interna

Promover formações internas regulares sobre a nova legislação laboral.

Criar espaços de diálogo entre RH, gestores e colaboradores.

c) Procedimentos transparentes para desvinculações

Padronizar os processos de despedimento com base legal e justificativa clara.

Incluir checklists legais, pareceres jurídicos e envolvimento da Direcção de RH em cada etapa.

d) Apoio psicológico e acompanhamento pós-despedimento

Não é um tema muito comum em Angola, por isso deixo como sugestão a criação de medidas de apoio psicológico a colaboradores desvinculados. Pode gerar pouco interesse porque a princípio não faz muito sentido receber ajuda psicológica quando o colaborador neste momento necessita de ajuda de outra natureza. É como se uma parceira abandonasse o meu marido e de seguida lhe oferecesse terapia por esta ser psicóloga. Este tema é pra amadurecer…

Apesar dos desafios iniciais e críticas por mim referidas em artigos anteriores, a nova Lei Geral do Trabalho oferece uma oportunidade para que Angola consolide uma cultura laboral mais justa, transparente e moderna. Para isso, é necessário que as empresas abandonem práticas reactivas e passem a actuar de forma estratégica e preventiva.

A construção de relações de trabalho saudáveis passa pela criação de ambientes organizacionais confiáveis, com políticas bem definidas, comunicação clara e valorização do capital humano. O caminho é exigente, mas os benefícios (tanto sociais quanto económicos) podem ser duradouros.

Não obstante a isto, as chefias são chamadas permanentemente para serem parte de cada ponto citados acima, estes devem acompanhar todo o processo, desde a tomada de decisão de forma estratégica até a materialização da desvinculação do colaborador.

Termino com uma passagem do artigo (da minha autoria), Eu não sei, passa lá nos Recursos Humanos!:

“Pode-se dizer que o primeiro RH do funcionário é a sua chefia. Isso significa que o líder ou chefe imediato é o ponto de contacto mais directo e imediato para questões relacionadas ao bem-estar, desenvolvimento e gestão de pessoas. Embora os RH desempenhem um papel crucial, os líderes têm a responsabilidade inicial de gerir e apoiar suas equipas em aspectos do dia-a-dia.

Essa perspectiva reforça a importância de capacitar os líderes com o conhecimento e as habilidades necessárias para assumir esse papel, garantindo que eles estejam preparados para lidar com questões de RH de forma eficaz e humanizada.”

Luís Joaquim

Especialista em Gestão e
Desenvolvimento Humano

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