Há países que souberam transformar produtos em símbolos. O México tem a tequila, Cuba tem o rum, o Brasil tem a cachaça. E Angola? Tem talento, sabor e autenticidade, mas ainda não tem uma narrativa global.
A minha primeira grande escola foi na indústria das bebidas destiladas.
Trabalhei na Pernod Ricard, onde aprendi o poder do storytelling e o papel que uma boa narrativa pode ter na construção de marca. Mais tarde, em Portugal, fui Brand Manager do Hendrick’s Gin, dos Licores Bols e da Moskovskaya Vodka.
Acompanhei de perto o trabalho de destilarias e embaixadores de marca de todo o mundo e, nesses encontros, percebi algo que nunca esqueci: a força da história é tão importante quanto a qualidade da bebida. Do whisky escocês ao bourbon americano, do rum cubano ao cognac francês, cada bebida carrega consigo o espírito de um país.
O que as distingue não é apenas o sabor, é o que representam. São produtos que despertam emoção, orgulho e pertença e, por consequência, tornam-se instrumentos poderosos de promoção cultural e económica. Essas marcas não exportam apenas bebidas, exportam identidade. São bandeiras líquidas, narrativas engarrafadas que convidam o mundo a provar um pedaço da sua cultura.
E é aqui que nasce a minha inquietação: porque é que Angola ainda não tem uma bebida conhecida mundialmente, com uma história própria e uma assinatura simbólica do nosso povo?
Temos ingredientes autênticos, tradições de fermentação e destilação com carácter e hábitos culturais únicos que poderiam ser traduzidos em produtos de valor internacional. Falta-nos, talvez, a confiança para transformar o que é caseiro em património cultural.
Lembro-me de um episódio em Londres. Os meus colegas insistiram para irmos a um bar distante provar um cocktail “imperdível”. Cedi à curiosidade. Quando o provei, o sabor era-me familiar.
Perguntei ao bartender o que levava e ele respondeu, em tom de segredo, que era uma bebida feita à base de fruta fermentada, especialmente ananás. Na prática, aquilo que me servira era uma versão refinada da kissangua de ananás que a minha mãe preparava em casa.
O preço? Dezoito libras, o equivalente a quase vinte mil kwanzas por copo.
Sorri e pensei: o mundo não está a descobrir nada novo, está apenas a contar melhor o que nós deixámos por contar.
O marketing tem este poder de transformação. Quando bem usado, pega no quotidiano e transforma-o em património cultural. Mas para isso é preciso primeiro olhar para dentro com respeito, e não com vergonha.
Angola tem tudo para criar a sua própria narrativa líquida. Um cocktail que traduza a alma do país, o calor, a mistura e a energia. Isso não é apenas uma oportunidade de negócio, é um acto de branding nacional.
O contraponto é este: enquanto continuarmos a consumir as histórias dos outros, nunca seremos protagonistas da nossa. Talvez esteja na hora de brindarmos ao que é nosso e de sermos nós a contar a história.

David Moisés
Estratega de Marcas e Negócios