A televisão mantém-se como um dos principais meios de comunicação no continente africano, não apenas como veículo de informação e entretenimento, mas também como uma ferramenta de coesão social e cultural. Apesar disso, o sector atravessa uma fase de transformação acelerada, impulsionada pela digitalização, pela crescente penetração da internet e pelo dinamismo demográfico de uma população jovem e urbana.
A evolução do consumo televisivo em África exige hoje uma análise cuidadosa que tenha em consideração a tensão entre a televisão linear tradicional, a TV por assinatura e a ascensão imparável dos serviços de streaming.
O estado actual do consumo
A televisão linear ainda detém a maior audiência no continente, especialmente em zonas rurais e comunidades de baixa renda. O custo relactivamente baixo das antenas e receptores, aliado à oferta gratuita de canais públicos, mantém este formato como a principal fonte de informação política, noticiosa e de entretenimento em grande parte da África subsaariana.
Por outro lado, nos grandes centros urbanos, a TV por assinatura consolidou-se nas últimas duas décadas. Operadores como a MultiChoice (que desde Setembro deste ano passou a integrar o grupo Canal+), através do seu serviço principal, DStv e GOtv, Canal+ e StarTimes oferecem uma ampla grelha de canais internacionais e pacotes segmentados. Porém, o preço das subscrições representa uma barreira de acesso em muitos mercados, o que levou as operadoras a diversificar ofertas, introduzindo pacotes mais flexíveis e modalidades de pagamento semanais ou quinzenais.
Ao mesmo tempo, os serviços de streaming ganharam fôlego, acompanhando o crescimento da conectividade. Plataformas globais como Netflix, Amazon Prime Video e Disney+ estão a investir em conteúdos para o público africano, enquanto soluções locais como iROKOtv (Nigéria), Showmax (África do Sul) e outras iniciativas regionais assumem protagonismo. A adesão ainda é limitada por conta de factores como o custo dos pacotes de dados móveis e a instabilidade da infraestrutura digital em várias regiões, mas a tendência de crescimento é inequívoca e notável.
Tendências emergentes
Um dos motores centrais da transformação televisiva em África é a juventude da população. Mais de 60% dos africanos têm menos de 25 anos, um grupo que privilegia o consumo sob demanda, conteúdos curtos e multiplataforma. Essa realidade pressiona os operadores a reinventarem-se, apostando na convergência digital e na integração com as redes sociais.
Outro fator-chave é a predominânica do conteúdo local. Os relatórios “Africa Entertainment & Media Outlook 2022–2026” (PwC) e “Africa Media Consumer Survey – 2022 (Deloitte)”, mostram que mais de 60% dos consumidores africanos preferem produções nacionais ou regionais em detrimento de conteúdos importados. Outro relatório, o “African Film Industry Report (2021) da UNESCO”, refere que a Nollywood, por exemplo, tornou-se a segunda maior indústria cinematográfica do mundo em número de filmes produzidos, com forte presença em canais de TV e serviços digitais. Da mesma forma, as novelas sul-africanas, o cinema queniano e as produções francófonas do Senegal e da Costa do Marfim reforçam a procura por narrativas enraizadas na cultura africana.
O desporto continua a ser o motor de subscrição mais relevante. Os direitos de transmissão da Premier League inglesa, da Liga dos Campeões da CAF ou da NBA África representam activos estratégicos para operadoras de TV paga, que competem ferozmente para manter exclusividade neste segmento.

TV Linear vs TV por Assinatura: competição ou convergência?
Embora a TV Linear mantenha o seu peso, é cada vez mais claro que o futuro será híbrido. O público urbano e digital procura flexibilidade, personalização e a liberdade de escolher quando e como assistir. As operadoras responderam lançando serviços de streaming integrados aos pacotes tradicionais. Os serviços DStv Stream e GOtv Stream (ambos da MultiChoice), por exemplo, permitem que o utilizador transite entre televisão convencional e visualização online, um modelo que tende a consolidar-se entre os consumidores de televisão em África.
Ainda assim, a TV aberta continuará indispensável em comunidades rurais e em mercados onde a infraestrutura de internet é insuficiente. Isso cria um cenário de dualidade estrutural: de um lado, a televisão como bem essencial e acessível; do outro, uma experiência premium que responde às exigências de um público conectado e disposto a pagar mais por conveniência e diversidade.

A resposta das prestadoras de serviço
Para sobreviver neste ecossistema fragmentado, as prestadoras africanas têm seguido quatro grandes caminhos estratégicos:
Flexibilização de pacotes – introdução de planos semanais ou quinzenais, mais acessíveis para consumidores de baixo rendimento.
Parcerias com telecomunicações – integração de pacotes de dados móveis com serviços de streaming, permitindo reduzir custos e expandir a base de utilizadores.
Inovação tecnológica – aposta em apps próprias, como é o caso da App MyDStv, funcionalidades como catch-up TV e a inclusão de métodos de pagamento via mobile money, como o Multicaixa Express, M-Pesa ou oAirtel Money.
Produção local – investimento em conteúdos africanos originais, uma estratégia que fortalece a identidade cultural e cria diferenciação em relação às plataformas globais.
O futuro: uma televisão híbrida e personalizada
A evolução do sector televisivo em África não será marcada pela substituição pura e simples da TV Linear pelo streaming, mas sim por uma convergência. A televisão continuará a desempenhar o papel de meio de massas, mas passará a articular-se com plataformas digitais, oferecendo maior interactividade, personalização de conteúdos e complementaridade com as redes sociais.
Paralelamente, o crescimento do acesso à internet e a difusão da banda larga móvel até 2030 deverão impulsionar a massificação do streaming, especialmente em mercados como Nigéria, Quénia, Gana, Egipto e África do Sul. Nestes contextos, a televisão tornar-se-á cada vez mais on-demand, mas sem perder o seu carácter comunitário e agregador.
Em resumo, o futuro da televisão em África será definido pela capacidade de adaptação das prestadoras e pela inclusão digital dos cidadãos. A coexistência entre televisão linear e digital reflecte as desigualdades do continente, mas também a sua criatividade em encontrar soluções inovadoras. O equilíbrio entre acessibilidade, inovação tecnológica e valorização do conteúdo local será determinante para que a televisão africana não apenas sobreviva, mas se transforme num dos setores mais dinâmicos da economia criativa global.
Referências e Fontes consultadas:
- GSMA (2023). Mobile Economy Report 2023 – Sub-Saharan Africa. GSMA Association. Disponível em: https://www.gsma.com/mobileeconomy/
- Statista (2023). Digital Media and Internet Penetration in Africa. Disponível em: https://www.statista.com
- PwC (2022). Africa Entertainment & Media Outlook 2022–2026. PricewaterhouseCoopers.
- Deloitte Africa (2022). Media Consumer Survey. Deloitte Insights.
- UNESCO (2021). The African Film Industry: Trends, Challenges and Opportunities for Growth. UNESCO Publishing.
- MultiChoice Group (2023). Integrated Annual Report. MultiChoice Africa.
- African Development Bank (2023). African Economic Outlook 2023. AfDB.
- Kantar Africa (2022). Media Measurement and Audience Reports. Kantar Group.
- GSMA (2022–2023). Innovation Fund Reports. GSMA Association.
- Vodacom, MTN & Safaricom (2022). Annual and Sustainability Reports. Operadoras de Telecomunicações.
- Showmax (2022–2023). Original Productions and Press Releases. Showmax.





