Existem muitas pessoas com boas ideias em Angola. Há quem queira abrir um salão de beleza, montar uma pequena lavandaria no bairro, começar a plantar tomate, criar galinhas ou até lançar uma marca de roupa. O problema quase sempre é o mesmo: não há dinheiro suficiente para começar. Os bancos pedem garantias difíceis, os amigos nem sempre podem ajudar, e os apoios do Estado demoram. Mas existe um modelo que pode ajudar a resolver isso: o crowdfunding.
Crowdfunding é uma palavra inglesa que significa literalmente “financiamento colectivo”. Na prática, quer dizer juntar pequenas contribuições de várias pessoas para apoiar um projecto. Por exemplo: se 200 pessoas derem 2.000 Kwanzas cada uma, já são 400.000 Kwanzas — o suficiente para alguém comprar os materiais e começar o negócio. A força está na união: cada um dá um pouco, e juntos fazem muito.
Este modelo já funciona bem em vários países do mundo. Existem plataformas na internet onde qualquer pessoa pode apresentar uma ideia e receber apoio de pessoas que acreditam nela. Em Angola, o modelo ainda não está bem desenvolvido, mas tem muito potencial. Até porque nós, angolanos, temos uma cultura forte de solidariedade. Quando alguém do bairro perde a casa, todos se juntam para ajudar. Quando há um óbito, cada um contribui com o que pode. Esse mesmo espírito pode ser usado para apoiar projectos produtivos e criar oportunidades de geração de renda.
A sustentabilidade do crowdfunding em Angola depende intrinsecamente da infraestrutura digital que se conseguir montar à sua volta, e essa base tecnológica precisa de ser pensada de forma local, com integração aos meios de pagamento já populares (como Multicaixa Express, Unitel Money, Afrimoney, entre outros) e com interfaces simples, funcionais, multilingues e mobile-first, uma vez que a maioria dos utilizadores interage com o mundo digital por meio do telefone.
Não basta replicar modelos estrangeiros: é preciso construir uma plataforma digital angolana de crowdfunding que leve em conta o perfil do nosso utilizador, que por um lado é desconfiado, pouco familiarizado com conceitos como prestação de contas online, mas que de outro é altamente conectado, solidário por natureza e já habituado a usar o telemóvel para enviar dinheiro à família ou pagar serviços. A base do sistema deve integrar funcionalidades como verificação de identidade simplificada (KYC adaptado ao contexto), dashboards de transparência pública dos projectos financiados, notificações por WhatsApp e USSD, de modo a abranger mesmo quem não tem smartphones. Esta plataforma deverá estar ligada a um sistema de monitoria e report — talvez com recurso à blockchain ou registos descentralizados — para garantir a credibilidade das campanhas e evitar desvios de fundos, pois sem confiança, não há doadores.
Para além disso, será necessária a criação de API’s abertas para que bancos, fintechs, cooperativas, incubadoras e até mesmo o Governo possam interligar os seus próprios sistemas e criar uma malha de suporte institucional que viabilize o modelo a longo prazo. Um modelo híbrido de financiamento que una doações solidárias, recompensas (produtos ou serviços futuros), e microempréstimos com taxas reduzidas poderá ainda reforçar a flexibilidade da plataforma e aumentar o seu impacto directo sobre a geração de rendimento real nas comunidades.
Assim, ao mesmo tempo em que o crowdfunding representa uma nova rota de mobilização de recursos por via da comunidade, também pode tornar-se num motor silencioso de transformação digital inclusiva, se for alimentado por dados fiáveis, interoperabilidade entre sistemas financeiros e digitais, mecanismos de autenticação segura e cultura de prestação de contas em tempo real. A partir do momento em que uma zungueira consegue lançar uma campanha com apoio da sua associação de bairro, ou um grupo de jovens agricultores financia colectivamente uma motobomba e presta contas semanalmente através de vídeos no WhatsApp integrados à sua campanha, estaremos a dar um passo concreto rumo a uma nova economia popular, mais digna, mais justa, mais digital.
O crowdfunding em Angola não será sustentável por caridade, mas sim pela criação de um ecossistema digital resiliente e conectado, que permita que cada kwanza angariado se transforme em impacto mensurável, e cada doador se torne parte activa na construção do futuro económico do país. Essa é a verdadeira revolução silenciosa: transformar tecnologia em ponte entre sonhos e realidade, e tornar o povo investidor do próprio povo.
Portanto, para o crowdfunding funcionar em Angola de forma efectiva, é preciso criar uma base sólida com três pilares: tecnologia, confiança e simplicidade.
- Tecnologia adaptada à nossa realidade
Precisamos de plataformas digitais (sites e aplicações) que funcionem bem mesmo com internet lenta, que aceitem pagamentos móveis como Multicaixa Express ou referência bancária. Essa tecnologia deve ser simples de usar, em português e até com suporte a línguas nacionais, se possível. A pessoa que quer receber apoio deve conseguir explicar a sua ideia em vídeo, mostrar quanto precisa e o que vai fazer com o dinheiro. Quem dá o apoio também deve poder ver o progresso do projecto, com fotos e pequenos relatórios. - Confiança e transparência
Para as pessoas contribuírem, é preciso confiança. Por isso, cada campanha deve ser clara e transparente: quem está por trás, quanto já se angariou, o que vai ser feito com o dinheiro, quando e como será usado. A plataforma deve mostrar isso de forma simples e fácil de entender. A inclusão de um pequeno vídeo, depoimentos de vizinhos ou parceiros, e uma linha de tempo com os objectivos pode fazer toda a diferença. - Simplicidade e educação financeira
Não adianta criar algo muito complicado. As pessoas devem conseguir participar sem ter de preencher muitos formulários ou fazer downloads pesados. Além disso, as plataformas podem ensinar conceitos básicos de gestão e finanças a quem está a pedir apoio: como fazer um plano de gastos, como mostrar resultados, e até como devolver parte do dinheiro (se for um modelo de crowdfunding com retorno). Essa aprendizagem pode ajudar os empreendedores a crescer com mais consciência e responsabilidade.
Se este modelo for bem implementado, o impacto pode ser enorme:
– Pequenos negócios ganham vida sem depender de empréstimos bancários;
– Jovens com ideias podem mostrar o seu talento e criar oportunidades;
– As comunidades passam a investir umas nas outras;
– A circulação de dinheiro local aumenta e a renda das famílias sobe.
Em resumo, o crowdfunding é uma forma moderna e comunitária de dar vida a ideias que muitas vezes morrem por falta de apoio. Em Angola, com o nosso calor humano, criatividade e vontade de vencer, este modelo pode ser uma verdadeira ponte entre o sonho e a realização — se for bem adaptado, bem comunicado e suportado por tecnologia fiável.
Está na hora de mostrar que com 500, 1.000 ou 2.000 kwanzas, também se pode construir um futuro melhor. Afinal, cada kwanza conta.

Sadraque Mualumene
Gestor de Marketing Banco BNI
Grande homem